O Bezerro de Ouro
Nas lendas dos encantamentos, por vezes estes estão quase a ser desencantados quando uma hesitação por parte do protagonista deita tudo a perder. Pois aí por volta de 1960, o senhor Domingos Coelho contou ao arqueólogo Santos Júnior o que ele garantia ser a sua experiência no castro de Carvalhelhos, em Boticas, que este escavava.
Não fora uma aventura a solo, pois o senhor Domingos Coelho ia acompanhado de um irmão seu, já falecido na altura que ele contou o que se passara. Aquilo ocorrera aí por volta de 1916. Os irmãos Coelho souberam, pela tradição em Boticas, que naquele castro, que eles conheciam como as palmas das mãos, se encontra enterrado um encanto sob a forma de bezerro de ouro. Pois o mano Domingos, contou, sonhou três noites a fio com o bezerro de ouro, o que já era um começo necessário.
Assim, lá foram ambos, muito em segredo. Levavam um exemplar do então raro Livro de S. Cipriano, uma broca, uma caçadeira, uma marreta e duas barras de explosivos. A caçadeira era para matar o bezerro mas ele aparecesse e quebrar-lhe o encantamento, ficando os irmãos com todo o seu peso de ouro.
E, numa noite, lá foram os dois manos para o extremo norte do castro de Carvalhelhos. Dirigiram-se para junto ao penedo maior que ainda lá se vê e as pessoas conhecem por Cavalo dos Mouros.
Seguindo os dizeres de São Cipriano, escolheram uma pedra, que julgaram ser a certa, abriram-lhe dois buracos, meteram lá as barras de explosivo, deitaram fogo ao rastilho e, a distância segura, esperaram pelo resultado da explosão. Mal esta aconteceu, saltou de debaixo da pedra um magnífico bezerro de ouro. Mas a surpresa foi tal que o senhor Domingos Coelho não conseguiu disparar a caçadeira.
– Em quatro pôs-se lá em baixo no ribeiro, enfiando-se pela Ola da Moura, que é a mais funda! – contou este a Santos Júnior.
– Perdeu-se para sempre, para nunca mais lhe poder deitar a mão.
O senhor Domingos Coelho contou o que protagonizara com tanta convicção que o experimentado arqueólogo ficou perplexo.
Comentaria este que quando o seu informador, então já com os 80 anos feitos, lhe narrou o que ficou dito olhava o espaço do castro de Carvalhelhos como quem ainda calcula a quantidade de tesouros que por ali devem estar encantados à conta do tal bezerro de ouro que lhe escapou.
Também se conta por Boticas que, em tempos que já lá vão há muito, os mouros quiseram fazer uma ponte de pedra desde a cerca do castro para a encosta da ladeira do Coriçal, onde se situam as mamoas, que a tradição popular diz terem sido os fornecos onde os mouros coziam o pão. Tal ponte nunca se chegou a fazer porque a gente de Carvalhelhos ia lá de dia e deitava abaixo tudo o que os mouros haviam feito de noite. Firmes os da terra, desistiram os mouros.